Recentemente, três empresas no Brasil foram condenadas na Justiça a pagarem vultosas indenizações por não proporcionarem as devidas condições de segurança e saúde nos ambientes de trabalho. São processos que vêm se arrastando há anos e nos quais ainda cabem recursos. Na avaliação de prevencionistas, é necessário que os empregadores entendam que a SST precisa ser vista como investimento e não como gasto, para se evitar situações que perpetuem o descuido com os trabalhadores e com o próprio negócio.
No caso da JBS/Friboi, o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso obteve a condenação em ação civil pública ajuizada após a verificação de diversas irregularidades relativas à jornada e ao meio ambiente de trabalho na planta de Diamantino. Entre os descumprimentos apontados, constam insuficiência de medidas de Ergonomia e de segurança no uso de máquinas e equipamentos, exposição dos trabalhadores a ruído excessivo, falhas no gerenciamento de riscos e na confecção e implementação do PCMSO e problemas no controle de agentes patogênicos. De acordo com a sentença, a empresa deverá pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão. Antes de ajuizar a ACP, o MPT instaurou dois inquéritos civis para apuração das irregularidades denunciadas, às quais chegaram ao conhecimento do órgão após ação fiscal promovida pela Superintendência Regional do Trabalho de MT em 2015.
DANO MORAL
Já no caso da Pirelli Pneus, o juízo da 12ª Vara do Trabalho de Campinas/SP atendeu aos pedidos do MPT e condenou a empresa ao pagamento de R$ 6 milhões a título de dano moral coletivo, além do cumprimento de normas de SST, entre elas, a obrigação de emitir CAT em casos de acidentes ou doenças ocupacionais, mesmo que haja apenas suspeitas de sua ocorrência. A multinacional italiana ainda terá que arcar com custos periciais no valor de R$ 240 mil. A sentença foi proferida nove anos após o ajuizamento da ACP. O inquérito constatou níveis de ruído (pressão sonora) e de calor muito altos, além do manuseio de substâncias químicas perigosas, o que necessitaria da adoção de programas especiais de proteção à saúde do trabalhador. Outra fonte de problemas levantada diz respeito às exigências posturais e de ritmo de trabalho, relacionadas ao aparecimento de DORT (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho), risco agravado por jornadas de trabalho de até 12 horas e pela ausência de pausas durante o expediente.
Por sua vez, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) negou provimento ao recurso interposto pelo Banco Bradesco nos autos de ação civil pública ajuizada pelo MPT e manteve a condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 15 milhões, a ser revertido ao FAT (Fundo de Assistência ao Trabalhador). A decisão foi fundamentada na comprovação do adoecimento massivo dos trabalhadores das centrais de teleatendimento da empresa Contax no Rio de Janeiro/RJ, Recife/PE e São Paulo/SP causado pelas práticas irregulares na gestão do meio ambiente de trabalho. A denúncia do MPT foi calcada em relatório da Auditoria Fiscal do Trabalho em fiscalização feita ao longo de um ano em todas as centrais de teleatendimento que atendiam ao banco de outubro de 2013 a julho de 2014. O relatório registra práticas de assédio moral e omissão de responsabilidade relativa à prevenção e redução dos riscos de adoecimento, irregularidades relativas à organização do trabalho, às condições do meio ambiente de trabalho, ao mobiliário, à temperatura e à alimentação.
DESCONSIDERAÇÃO
O médico do Trabalho e ergonomista Paulo Antonio Barros Oliveira, auditor fiscal aposentado, afirma que esses processos são o final de um longo caminho de desconsideração pela aplicação devida da legislação existente. “Inicia-se lá atrás, com as autuações e interdições da AFT, continua com os inquéritos civis públicos do MPT, as tentativas de acordos através da proposição de Termos de Ajuste de Conduta e, ao final, recusadas todas essas tentativas, resta o processo judicial. São caminhos longos, de, no mínimo cinco, até mais de 10 anos algumas vezes. Desde o início, há provas documentais e factuais de que as irregularidades existem. Autos de infrações, relatórios, perícias”, observa.
E complementa: “Ainda bem que é pequeno o número de empresas que escolhe esse trajeto de litígio e confronto com a estrutura do Estado. Essas acabam penalizadas com sentenças de grande vulto”, constata. Ressalta, no entanto, que valores bem menores poderiam ser aplicados logo no início, quando da identificação das irregularidades cometidas, na solução dos problemas. “Conheço situações em que a empresa utilizou o tempo concedido com a assinatura do TAC para investir na mudança de postura e na prevenção. O resultado final é bem outro, principalmente com a solução dos problemas, com produção de produtos de qualidade e sem o adoecimento dos trabalhadores. E sem a necessidade de pagamento de vultosas somas em indenizações”, relata.
Para que as empresas evitem processos e condenações judiciais, Paulo cita três passos. O primeiro, segundo ele, é entender que SST não tem preço, é investimento. “Ainda temos organizações que colocam essa rubrica no item custos”, constata. O segundo passo listado consiste nos empresários, seus corporativos, seus conselhos de administração, repensarem suas estratégias jurídicas arriscadas e começarem a levar em conta o passivo trabalhista que tais escolhas podem gerar no médio e longo prazos. E terceiro, a empresa considerar que, com esse tipo de escolha, além de ter que pagar altos valores com possíveis perdas na Justiça, vai ter que investir na solução para suas condições de trabalho irregulares. “Então, se, ao fim e ao cabo, vai ter que investir em SST, porque não o faz de início? O que leva a direção da organização, sua diretoria, seu corporativo, escolher todo o desgaste de anos de exposição continuada dos empregados a determinados riscos se, no final, terá que investir igual em SST, só que agora acrescido nos custos (aí sim é custo) o pagamento dos valores da sentença? Sempre entendi como uma decisão burra. Já tive a oportunidade de perguntar para diretores de empresas sobre o motivo dessas atitudes, mas nunca recebi uma resposta convincente”, conta.
GUARDIÃO
O engenheiro de Segurança do Trabalho Antonio Carlos Vendrame, consultor técnico em assuntos de Segurança e Higiene do Trabalho e perito judicial, afirma que o MPT tem atuado fortemente na preservação da SST. “Diria até que tem se portado como verdadeiro guardião das instituições de SST, atuando como responsável pela defesa da ordem jurídica e dos interesses da sociedade e pela fiel observância das leis. É claro que, como em toda instituição, sempre há profissionais movidos à ideologia política, o que conflita com a SST, que é ciência”, comenta.
No caso da JBS, relata que conhece muito bem a unidade de Diamantino no Mato Grosso. “Há pouco tempo, acompanhamos várias perícias, bem como uma inspeção judicial na qual o próprio juiz do Trabalho manifestou surpresa ao ingressar na unidade fabril da empresa. A visão do magistrado mudou radicalmente e, de forma positiva, ao conhecer as instalações da empresa”, conta. Acrescenta que, “lamentavelmente, o juiz do Trabalho não consegue realizar periodicamente diligência nas empresas, o que é delegado ao perito judicial”.
Afirma, ainda, que a perícia judicial, por sua própria condição de recebimento de honorários, em algumas situações, torna a reclamada sucumbente para a garantia de seus honorários. Complementa que o artigo 790-B, que atribui à parte sucumbente o pagamento da perícia, modificou o critério contido no CPC (Código de Processo Civil) – artigo 33 do CPC/73 e artigo 95 do CPC/15 – no qual cabe à parte que requereu a perícia a responsabilidade pelo ônus da remuneração do expert. “Assim, o Judiciário Trabalhista compele a perícia a, invariavelmente, atribuir sucumbência à reclamada, sob pena de não receber seus honorários periciais”, opina.
DESAFIOS
Independentemente das questões periciais mencionadas, Vendrame observa que as empresas, em geral, negligenciam o cumprimento da legislação de Segurança e Saúde do Trabalho ou, então, não produzem prova documental quando cumprem. “O que as torna presas fáceis numa fiscalização ou vistoria pelos atores sociais em SST”, ressalta.
O consultor chama atenção para o fato de que, em 2021, há importantes desafios na área de Segurança e Saúde do Trabalho: o eSocial e o PGR, que exigirão ações e investimentos das empresas para sua implementação. “O eSocial representa a verdadeira confissão da empresa quanto aos deslizes em SST, os quais passarão a ser visíveis pela Receita Federal e Previdência Social. E o PGR mudará o velho hábito de fazer um PPRA e deixá-lo na gaveta por um ano inteiro sem qualquer ação. Automaticamente, ambos exigirão um maior cuidado quanto ao cumprimento da legislação de SST em vigor e declaração dessas informações, acabando definitivamente os programas de papéis e as informações secretas”, avalia.